segunda-feira, 6 de abril de 2009

Je vous salue, Marie

Está chegando a pascoa, onde os cristão comemoram o nascimento de Cristo. Jean Luc Godard mostrou no longa Je vous salue, Marie uma visão contemporanea dessa estória. A estória mais contada dos ultimos 2000 anos. Por isso deixo aqui no Esfera um texto de Annie Goldmann com Tradução de Mário Laranjeira sobre essa produção polemica de 1985 com Juliette Binoche no elenco.

Je vous Salue Marie: um filme cheio de graça

Annie Goldmann
Tradução: Mário Laranjeira

O perfume de escândalo que cercou o lançamento do filme de Godard obscurecen o seu verdadeiro significado. Considerado sacrílego por alguns, incompreensível por outros, a polêmica ocultou a profunda espiritualidade, evidente, entretanto, desta obra. Como sempre, Godard surpreende ao mesmo tempo pela novidade de sua abordagem, pela forma original e pela audácia da mensagem.

Diante do mistério da natividade de Jesus, Godard simplesmente perguntou a si mesmo: como contar essa história em nossa modernidade? Como contar um acontecimento tão extraordinário que se deu a 2 mil anos e que é o fundamento de fé de milhões de indivíduos no mundo e, principalmente, como contá-lo em função dos modos modernos de comunicação?

Enquanto Pasolini, com O Evangelho segundo São Mateus, permanece no registro são-sulpiciano da reconstituição histórica e da mensagem tradicional cristã, Godard tenta dela fazer a narrativa como se estivesse se dirigindo a crianças da nossa época, habituadas com os heróis das séries televisionadas e com a leitura das histórias em quadrinhos. É por isso que transpõe o maravilhoso cristão para o mundo imaginário de hoje, mistura de Pieds Nickeles e de Star Trek. Em vez de um anjo do outro mundo, Gabriel é um homem comum, que viaja de avião; já não é só e seráfico, mas pragmático e acompanhado por uma garota maliciosa, como a heroína de Alice no País das Maravilhas; a estrela dos Reis Magos é substituída pela bandeirinha de um carro-socorro; Maria é filha de um frentista e membro de um time de basquete, e José é motorista de táxi... Gente simples, comum, exatamente como eram os pais de Jesus no tempo de Herodes. O lugar já não é o campo primitivo, mas a cidade com as suas atividades - o trabalho de José, as relações humanas, as relações difíceis entre os homens e as mulheres, uma cidade alheia aos mistérios da fé, onde Maria vai encontrar-se sozinha para enfrentar o seu destino em meio à indiferença e ao ceticismo que caracterizam o mundo moderno. Esta opção de atualizar o acontecimento tem por função recolocar a problemática da mensagem cristã no mundo de hoje e não mais relegá-la ao museu imobilizado da instituição religiosa; os cartões repetitivos e insistentes Naquele tempo servem para marcar, ao mesmo tempo, a intemporalidade e a contemporaneidade do acontecimento. Ao transportar rigorosamente a natividade para o mundo atual, Godard atualiza por isso mesmo a mensagem milenar e lhe confere perenidade.

Eis por que as duas personagens principais estão bem situadas em sua época e vivem os conflitos de um casal moderno: José tem um caso com outra mulher e Maria duvida do seu amor.

Entretanto, de acordo com a tradição, Maria é jovem, inocente e virgem. Diante da incapacidade da ciência para explicar a sua milagrosa fecundação, a moça vai aceitando pouco a pouco o inacreditável por caminhos outros que não os da razão. Como imaginar, em nossa época, semelhante acontecimento e como fazê-lo aceitar aos outros? A princípio há a expectativa: a jovem espera algo de extraordinário: "Indagava-me se algum fato notável ia acontecer na minha vida" pois, contrariamente aos homens, "todas as mulheres desejam alguma coisa que seja única neste mundo". Em seguida, após a Anunciação, ela vai aos poucos assumindo o seu destino e descobrindo uma outra dimensão na vida, uma dimensão secreta que não pode partilhar com ninguém, porque cada um deve fazer a sua própria descoberta da espiritualidade. "Quero que a alma seja corpo e não se poderá dizer que o corpo é alma (...) Não mais haverá sexualidade em mim, conhecerei o discurso verdadeiro da alma." Mas Maria é feita de carne humana, tem desejos de mulher e a castidade que se impõe lhe pesa. Nua na cama, vê-se a braços com o desejo, como todas as mulheres; e trava um combate desgastante contra a tentação; daí as alusões à masturbação recusada, que são talvez chocantes, mas que se inscrevem perfeitamente no projeto godardiano de tornar viva e credível a personagem. Tais tentações não empanam a espiritualidade de Maria, ao contrário, é pelo combate contra si mesma que atinge o mistério do espírito e se eleva em relação aos outros. Se tudo lhe fosse dado, se tudo lhe fosse fácil, o seu mérito seria menor. A sua ascese não está definitivamente adquirida, é o resultado de um esforço sobre a carne, sobre a vida cotidiana. Godard transgrediu a imagem tradicionalmente passiva de Maria, simples receptáculo da Palavra, simples instrumento da Divindade, para lhe dar uma consciência, uma elevação pessoal que a coloca acima de todos os outros. Ela adquire, enquanto mulher, uma verdadeira grandeza; ela é cheia de graça.

(...)

Leia aqui o texto na integra...

www.esferartv.blogspot.com

Nenhum comentário: